
TOXINA BOTULÍNICA
“Botulismo em 4 adultos como consequência da injeção de uma preparação
não licenciada e altamente concentrada de toxina botulínica”
A 23 de novembro de 2006 uma clinica recebeu o carregamento de um frasco de 100 µg de toxina botulínica pura, não permitida para uso humano. Um médico desta clinica, apesar de estar com a sua licença suspensa, administrou 2 mL da toxina em 4 pacientes, os quais receberam aproximadamente 4 a 6 injeções intramusculares para propósitos cosméticos. Alguns dias depois os doentes apresentaram-se no hospital queixando-se de fraqueza, dificuldade em respirar e neuropatias cranianas.
Nas amostras de soro foi detetada a presença da neurotoxina, tendo-se administrado antitoxina, seguido de um tempo de hospitalização prolongado com recurso a ventilação e reabilitação física, sendo que todos os pacientes sobreviveram.
As análises ao soro indicavam níveis da toxina 21 a 43 vezes superiores à dose letal estimada por injeção, sendo que o frasco de 100 µg de toxina pura era suficiente para provocar a morte a 14 286 pessoas.
No fim, tanto o médico como os pacientes foram condenados a 3 anos de prisão.
BIBLIOGRAFIA:
Chertow DS, Tan ET, Maslanka SE, et al. (2006) Botulism in 4 adults following cosmetic injections with an unlicensed, highly concentrated botulinum preparation. JAMA 296(20):2476-2479 doi:10.1001/jama.296.20.2476
“Botulismo por ferida associado ao uso subcutâneo de drogas”
Assim como o consumo de drogas tem aumentado, também havido maior número de pessoas expostas a C. botulinum. Mais de 90% dos casos de botulismo por ferida provêm dos EUA, o maior consumidor de heroína a nível mundial.
Um homem de 50 anos, consumidor de heroína por via intravenosa e subcutânea, apresentava disartria, disfagia, dificuldade em respirar, diplopia e fraqueza generalizada. Este foi admitido nos cuidados intensivos, tendo sido recebido ventilação artificial e tratamento com a antitoxina botulínica.
Foi confirmada a presença da bactéria e da neurotoxina no sangue e nos abcessos que apresentava. Sete meses depois mostrava melhorias notáveis, contudo precisava ainda de ajuda para se levantar da cadeira e de suporte ventilatório.
Hoje sabe-se que na Califórnia existem mais de 18 000 consumidores de drogas por via intravenosa, e que dos 102 casos de botulismo por ferida entre 1951 e 1998, 101 estavam relacionados com este tipo de consumidores.
BIBLIOGRAFIA:
Merrison AF, Chidley KE, Dunnett J, et al. (2002b) Wound botulism associated with subcutaneous drug use. BMJ 325(7371):1020-1
“O primeiro caso de botulismo infantil em Portugal”
A notificação do primeiro caso de botulismo infantil em Portugal ocorreu em Novembro de 2009. Era referente a um caso de um bebé com um mês de idade, filho de imigrantes moldavos, que deu entrada no hospital após três dias sem comer, tendo sido verificada a presença de prostração hipotónica, obstipação, alterações no som do choro e disfagia. Por se suspeitar de botulismo, fez-se a determinação a sua alimentação, que consistia em leite materno, mel e infusão de folhas de camomila, sendo o mel e as folhas provenientes da Moldávia.
Nas análises, foi detetada toxina botulínica nas fezes do bebé, mas a deteção no soro foi negativa. No mel e nas folhas de camonila provenientes da Moldávia, bem como nas fezes, foi isolada toxina botulínica B. Após tratamento, a criança recuperou totalmente.
O mel é um conhecido veículo de esporos de C. botulinum, que contaminam também diferentes produtos agrícolas, como as ervas utilizadas para infusão. Contudo estes esporos têm de ser sujeitos a altas temperaturas para serem destruídos, temperaturas que não são atingidas pela água a ferver usada para as infusões e às quais o mel não pode ser sujeito, devido às suas caracteristicas. Por este motivo, os pais deverão ser aconselhados a não administrarem mel e infusão de ervas a crianças com menos de dois anos.
BIBLIOGRAFIA:
Saraiva M, Cunha IC, Bonito CC, et al. (2013) O primeiro caso de botulismo infantil em Portugal. Boletim Epidemiológico 5:17-18
“Botulismo iatrogénico devido a injeção terapêutica de toxina botulínica A num paciente pediátrico”
Uma menina de três anos com paralisia cerebral e história clínica de convulsões e refluxo gástrico recebeu uma injeção com uma dose total de 400 U (40 U/kg) de toxina botulínica A nas duas pernas e no braço direito. Nos dez dias após a injeção, ela perdeu 1 kg devido à disfagia. Três a quatro semanas depois, a disfagia tinha piorado e tinham aparecido novos sintomas: sialorreia excessiva e começou a inalar liquídos. A mãe reportou que a paciente tinha episódios de apneia durante o sono, sendo necessário em várias ocasiões realizar respiração boca a boca. No prazo de um mês, a menina desenvolveu fraqueza generalizada severa, que durou 6 semanas, mas permaneceu incapaz de segurar a cabeça durante 3 meses. Após dez semanas da injeção, o exame revelou discurso disártrico e sialorreia, distonia em todas as extremidades e tónus espástico, principalmente nas extremidades inferiores e no lado direito. Estes sintomas, juntamente com a sua evolução natural, indicam botulismo iatrogénico por injeção terapêutica de toxina botulínica A.
A menina tornou a receber injeções de toxina botulínica A em sete ocasiões distinas, com doses totais de 200 a 300 U (17,7 a 20 U/kg). A mãe não reportou efeitos adversos para estas doses.
Conclui-se entao que são necessários realizar mais estudos para determinar a janela terapêutica da toxina botulínica em crianças.
BIBLIOGRAFIA:
Crowner BE, Brunstrom JE, Racette BA (2007) Iatrogenic botulism due to therapeutic botulinum toxin A injection in a pediatric patient. Clin Neuropharmacol 30(5):310-313 doi: 10.1097/WNF.0B013E31804B1A0D
O botulismo é uma doença potencialmente fatal caracterizada pela presença de neuropatias cranianas independentemente da via de exposição. Quanto mais cedo se fizer o diagnóstico e o tratamento com antitoxina (de preferência até 12h após diagnóstico) e com a ventilação mecânica, maior a probabilidade de sobrevivência.
Suspeitas de botulismo devem ser imediatamente reportadas às autoridades de modo a facilitar a deteção de uma possível epidemiologia e a prevenção de novos casos (Chertow et al. 2006).